quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sem pontuação? Só com balão de oxigênio!!!!


Com apenas cinco anos, Matheus resolveu passar uns dias na fazenda. Fato esse que deixou a mãe do menino muito preocupada. Era a primeira vez que viajava somente na companhia do pai, além do mais, lá não havia outras crianças para ele brincar. Ao sair a mãe cochichou no seu ouvido:
_ Se sentir falta da mamãe na hora de dormir, liga que eu irei buscar você.
Engolindo em seco, o homenzinho enterrou o chapéu na cabeça e subiu na caminhonete contando com o próprio esforço. E como lhe custou! Suas pernas curtinhas, a caminhonete alta, as botinas travando-lhe os movimentos. Todos o aguardavam com grande entusiasmo. A beleza e a leve brisa do campo pareciam conservar a criança íntima de cada um. Logo tornaram-se grandes amigos. Matheus passou a achar os amigos da fazenda infinitamente mais divertidos que os amigos do playground. Não existia competição, falava-se de tantos outros assuntos e não só sobre games, sobre aparelhos de última geração, tecnologia de ponta. Em pouco tempo tornou-se o mascote da turma. A mãe de Matheus, já preocupada com a falta de notícias, tentou falar com ele algumas vezes, mas acabou desistindo. Ele estava sempre ao lado dos peões da fazenda se divertindo a valer. Quando tentou à noite ele havia dormido com as galinhas, tamanho o seu cansaço. No dia combinado para a sua volta, engoliu o choro e sorriu para os companheiros que se comprometeram a escrever-lhe com frequência. Dois dias após a sua partida, chegou a primeira missiva. Ele correu até a cozinha:
_Dona Zica, leia para mim, por favor, é dos meus novos amigos. Encantada pela alegria, dona Zica parou o que fazia e pôs-se a ler com boa vontade:
"Querido Matheus sentimos muita saudade de você lembramos sempre de nossas brincadeiras o pônei também está até de orelha caída João Murici manda lembranças e o Risadinha está precisando mudar de nome pois depois da sua partida ele não riu mais a cozinheira quando prepara o seu prato preferido enche os olhos d'água..."
Dona Zica foi ficando vermelha, roxa e amarela e quase desmaiou.
_Socorro, Zélia, me ajude! Gritou Matheus apavorado. Zélia deu-lhe álcool para cheirar, esfregou-lhe os pulsos, foi quando ela finalmente deu sinal de vida. Dona Zica disse exaurida:
_Vou para o meu quarto descansar um pouco... Desesperado, Matheus insiste com a arrumadeira:
_Por favor, Zélia, leia pra mim, mas comece pelo início. Zélia foi lendo, lendo, até não poder mais. Também sentiu-se mal com o espanador na mão. Carla, mãe de Matheus entra em casa e se depara com a cena:
_O que houve, meu filho?
_Não sei, mamãe, pedi a elas que lessem a minha carta e todas duas passaram mal.
Zélia volta do desmaio, ainda meio pálida:
_Desculpe, dona Carla, vou me deitar só um segundinho e já volto. Estou sem ar e muito cansada.
_Mamãe, o que há de errado com a minha carta.
Lendo em silêncio, Carla descobriu em segundos:
_Eles não pontuaram a carta, meu filho. Não usaram vírgula, ponto, nada!
_Qual o problema?
_Se a carta fosse pontuada corretamente, daria tempo para o leitor respirar e fica mais fácil para compreensão da mensagem. Vou ler pontuando e você entenderá tudinho. A partir desse episódio, Carla decidiu ativar a escola da fazenda, contratar a melhor professora da região, para que adultos pudessem voltar a estudar e ninguém mais fosse acometido por uma síncope, após ler uma ler uma longa carta que viesse da fazenda.

Stella Tavares

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Lucas, o menino que virou televisão


No auge dos seus oito anos, Lucas só queria ver televisão. Nas férias, começava a assistir às oito quando acordava e ia assistindo até a noite chegar trazendo o seu pai que queria ver o jornal. Via Power Ranger, Quarteto Fantástico e ia tarde afora com a programação. Comia assistindo televisão e de acordo com o seu interesse pela programação, era o estado em que ficava a sala. Quando o filme era bom, ele ficava tão ligado que ia esparramando pipocas pelo sofá, suco e, às vezes, derramava o prato com almoço. Seus amigos foram se afastando de tanto chamá-lo para brincar e ouvi-lo dizer:
_ Agora não posso! Estou vendo desenhos.
Quando a programação não interessava ele ia até à vídeo locadora e trazia filme de artes marciais. Aí então é que a sala virava um verdadeiro chiqueiro! Tentava reproduzir os golpes do filme e sempre acabava quebrando alguma coisa e empurrando para debaixo do sofá. E mais esparramava pipoca e mais derramava comida e respingava suco pelo chão. Sua mãe dizia que se continuasse assim ele acabaria se tornando televisão.
Quando algum amigo ligava para ele na hora do seu desenho preferido, respondia sempre com monossílabos: "oi, tá, hum,.. não, tchau!" E assim foi perdendo a comunicação com os amigos. Fazia os seus deveres correndo, enfiava os cadernos na pasta e ia ver televisão. Numa manhã, ligou o aparelho e ele estava fora do ar. Tentou todos os canais e nada. Disse à sua mãe que iria à vídeo locadora buscar um filme, mas ela não deixou. Disse que o seu pai não havia deixado dinheiro. Ele não teve outra outra alternativa senão ir para rua brincar. Brincar? Ele não sabia mais brincar. Nem o que dizer ele sabia mais a não ser sobre heróis, super heróis e desenhos. Seu encontro com os amigos foi um desastre! Sem preparo físico como estava não conseguia mais correr, acompanhar as brincadeiras. Voltou para casa desolado e quando chegou sua mãe tinha saído. Revoltado, começou a brigar com a televisão:
_Você ainda está fora do ar? Conversa comigo! Estou sozinho! Conversa comigo! Apertou todos os botões, todos os fios, deu um curto, uma explosão, não sei o que houve só sei que ele foi parar dentro da televisão. Ele e a televisão se tornaram um e atordoado enxergou através da tela e pensou:
_Bem que minha mãe dizia que eu ia virar televisão.
O que ele nunca imaginou era que veria a gravação do seu herói preferido. Entrou um homem nervoso no estúdio e disse:
_Veste logo a sua roupa de super herói! Faltam cinco minutos. Finalmente seria um super herói, pensou, com todos os poderes. Agora poderia voar, não sentiria mais dor e enfrentaria de peito aberto todos os vilões que povoavam sua tarde. Ele vestiu a roupa, mas nada aconteceu. No meio da luta bateu o joelho no chão e sentiu muita dor. O diretor gritou irritado:
_Corta! Você é um super herói! No mundo inteiro criancinhas acreditam que você pode tudo. Como ousa sentir dor, dizer ai? Vamos refazer a cena! Estava começando a interpretar direitinho quando o diretor disse:
_Vamos passar para a cena do vôo sobre a cidade.
Que bom! Pensou, finalmente vou poder voar, mas qual não foi a sua surpresa quando ficou deitado, imóvel, com um ventilador ligado movimentando sua capa e as imagens passando como se estivesse voando. Que saudade da sua vida de menino! Se se machucava podia chorar e tinha o colo da mãe para acalmá-lo. Como era melhor a vida real! Vida de menino: subir em cima da casa, soltar pipa, jogar bola, subir em pé de fruta, brincar no recreio e voltar para sala cansado, de pernas bambas de tanto correr. De repente começou a passar um filme de sua vida: A professora reclamando sua falta de capricho, as notas vermelhas no boletim, seus grandes amigos que nunca mais apareceram. Quis ter uma outra chance. Disse a si mesmo que se saísse dessa veria televisão como as outras pessoas viam, mas nunca mais faria dela o centro da sua vida.
O trato foi aceito. Quando abriu os olhos estava deitado no colo de sua mãe.
_Graças a Deus, meu filho! Você deve ter levado um choque enorme. A televisão queimou e você caiu desmaiado. Você está bem? Na verdade, ele nunca tinha se sentido tão bem. Foi para o seu quarto, arrumou suas gavetas, seu armário, desamassou os cadernos e guardou na mochila. Tirou da caixa todos os seus brinquedos e brincou a tarde toda. Depois pegou a velha agenda, não se lembrava o telefone de ninguém. Ligou para os amigos e marcou uma pelada para o outro dia às oito em ponto.
Fim

Stella Tavares

Lucas, o menino que virou televisão foi publicado em 2003
Coleção Bola de Gude - Para ler e colorir

Para Pedro Henrique e João Vítor todas as histórias que escrevo e as que ainda vou criar. Todas as cantigas de ninar que invento. À vocês, meus filhos, Todo o sentimento.